segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sétimo livro de Luís Aguiar


DESARRUMAÇÃO DO FRIO

prémio literário externato de Vila Meã/Editora Labirinto




Regressa ausente como um filho bíblico
perdido
ou traz em verdade um golpe no respirar
O álgebra em ritmo queimar-te-á a língua
também os meus dentes me doem
quando fustigo as urtigas
O início
brasa madre que tatua o pensamento
não saberei procurar
outra coisa sal talvez ou uma rosa
aperfeiçoada pela guerra
Embora o sono esteja desarrumado
canta o canto
porque é breve a ondulação do lume
enrolar-se-á sempre ao ventre
enchê-lo-á
com o bater velocíssimo do sémen
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...


Como dói o odor da memória
O corpo
suporta a pressão das palavras
estaca de água suada
e num tendão fistulam-se
os nervos
O homem nasce
na transpiração das veias
como hei-de dizer?
As mãos lavadas de Pôncio Pilatos
com os tecidos da cruz
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...


Tocar com a língua doce
o sorvo do sangue
cosida veia ao coração
A carne recua
às proximidades do barro
Sempre a mão incendiou
a vogal
a luz treme áspera sob a roupa

Há-de alguém encher o vento
agudo número
retalhado pela faca

Canto cob-
alto
diz a canta da água
Aflige-se a poeira
ao voltar a ser sangue
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...


O frio sangue da mãe aqueceu o choro
da minha luz
sua vulva incomodamente de vigia
Vim do desconhecido
o filamento de carne
fronteira ou porta onde o filho canta
por ter consumado o rasgo
das pétalas maternas
E este lume é o primeiro indício
de amor
envelhecido na desfasada placenta
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...


Traço a traça do respiro
o sangue ecoa pelas veias –
o sangue escoa pelo sangue

O anjo mau dentro de Caim
o início do homem pensado por Kubrick
um macaco a alvorecer a melancolia
e o alimento
antigo mármore em ferida ao alto
curva de sopro
os cornos do anjo a roçarem o céu
furiosamente
com o lume a precipitar-se dos olhos
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Luís Aguiar
Editora Labirinto 2011

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Charlie Chaplin





Charlie Chaplin nasceu em Londres (Inglaterra) em 1889 e faleceu em Corsier-sur-Vevey (Suiça) em 1977. Foi actor (do cinema mudo), produtor, comediante e dançarino entre outras profissões.


Acredito no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror.

Eu continuo a ser uma coisa só, apenas um palhaço, o que me coloca a um nível bem mais alto que o de qualquer político.

Não creio em nada e de nada descreio. O que concebe a imaginação aproxima-nos tanto da verdade como o que pode provar a matemática.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Embora saiba voar, o pássaro acaba sempre por ter de pousar na terra.

Provérbio Tibetano


DOIS NOMES DUAS VOZES
António Ramos Rosa | Antonio Gamoneda


António Ramos Rosa




António Ramos Rosa nasceu em Faro em 1924. É uma das grandes vozes da poesia portuguesa, foi distinguido em vários prémios literários.
A biblioteca de Faro tem o seu nome.


Nascimento último (pág.25)

Como se não tivesse substância e de membros apagados.
Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.
E germinar no sono, germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite, lentamente, sob uma chuva
densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.
No encontro e no abandono, na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento, na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui, o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser, os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.



Dentro da Árvore (pág.17)

Por entre os ramos e as sombras sem tristeza
em claro e sonâmbulo vagar
mais baixo do que o dia com suas lâmpadas de espuma
em abóbadas de sombra entre o verde e a cinza.

Era a terra do sono e da solidão e da partilha
e a respiração da ausência. O destino
era próximo da mesa da folhagem, a sede
calma. E o sentido era um sonho
que se encarnava num flanco aberto.

Porque nascíamos em núpcias transparentes
com o ar adormecido num meio dia completo.
Porque no fundo escuro amávamos a altura verde
e recebíamos a frescura de uns dedos ignorados.


editora
in-libris
sociedade para a promoção do livro e da cultura





Antonio Gamoneda





Antonio Gamoneda nasceu em Oviedo (Astúrias - Espanha) em 1931. Reside em León desde 1934 onde dirigiu a Fundación Sierra-Pambley. É um poeta e crítico de arte de nacionalidade espanhola. Venceu o Prémio Cervantes em 2006 e é doutor honoris causa pela Universidad de León.



Aún | Ainda (pág. 78/79)

Hay una hierba cuyo nombre no se sabe; así ha sido
mi vida.

Vuelvo a casa atravesando el invierno: olvido y luz
sobre las ropas húmedas. Los espejos están vacíos y
en los platos ciega la soledad.

Ah la pureza de los cuchillos abandonados.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Há uma erva cujo nome não se sabe; assim foi a
minha vida.

Regresso a casa atravessando o Inverno: esquecimento
e luz sobre as roupas húmidas. Os espelhos estão
vazios e nos pratos cega a solidão.

Ah a pureza das facas abandonadas.



Sábado | Sábado (pág. 136/137)

Estoy desnudo ante el agua inmóvil. He dejado mi
ropa en el silencio de las últimas ramas.

Esto era el destino:

llegar al borde y tener miedo de la quietud del agua.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Estou nu diante da água imóvel. Deixei minha roupa
no silêncio dos últimos ramos.

Isto era o destino:

chegar à margem e ter medo da quietude da água.



antonio gamoneda
livro do frio

trad. de José bento
assírio & alvim
1999

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Naum Gabo


Naum Gabo fotografado por Rudolf Burckhardt.



Naum Gabo nasceu em Briansk (Rússia) em 1890 e faleceu em Waterbury (EUA) em 1977. Foi um escultor de nacionalidade russa que se destacou no movimento do Construtivismo russo, caracterizado pela realização de arte com base em materiais industriais.










http://www.naum-gabo.com

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Al Berto




Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares, nasceu em Coimbra em 1948 e faleceu em Lisboa em 1997. Para além de pintor e editor, foi um dos mais originais poetas portugueses das últimas duas décadas do século XX.


3ª Edição de Horto de Incêndio pela Assírio & Alvim | Fotografia de Al Berto por Paulo Nozolino




Recado

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

Al Berto
Assírio & Alvim 1997

http://assirioealvim.blogspot.com/

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Liszt Totentanz

É catártica e suprema esta música.

(basta clicar no título para ter acesso à magnífica interpretação da pianista clássica ucraniana Valentina Lisitsa.




Franz Liszt nasceu em 1811 em Doborján, Reino da Hungria, (hoje Áustria) e faleceu em 1886 em Bayreuth, (Alemanha). Foi um compositor e pianista da Era Romântica.
Liszt foi genial na obra que legou à humanidade, revolucionou o estilo musical na época em que viveu tendo desenvolvido com virtuosismo a técnica de tocar piano.
É considerado o maior pianista do século XIX.
Para ver muita coisa é preciso despregar os olhos de si mesmo.




Friedrich Nietzsche nasceu em 1844 em Röcken (Alemanha) e faleceu em 1900 em Weimar (Alemanha) é considerado um dos mais influentes filósofos do século XIX.
Tadao Ando



Tadao Ando nasceu em 1941 em Osaka (Japão). É um arquitecto japonês e professor emérito da Universidade de Tóquio.
Em 1995 foi distinguido com o Prémio Pritzker no valor de cem mil dólares.
Não deixo de referir que é de enobrecer o gesto de Tadao Ando visto que doou esse dinheiro para os órfãos do Terramoto de Kōbe.


Algumas imagens da obra arquitectónica de Tadao Ando.







http://www.andotadao.org/

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Shinichi Maruyama



Shinichi Maruyama nasceu em 1968 em Nagano (Japão). É engenheiro de imagem formado pela Chiba University e vive desde 2003 em New York (USA). Actualmente é artista plástico.
Maruyama cria esculturas de água, captadas através de uma câmera Phase One P45 que congela a imagem por breves segundos, dando origem a estas magníficas esculturas e fotografias.














http://www.shinichimaruyama.com
Federico Fellini

“Eu não escolhi ser realizador: foi o cinema que me escolheu a mim.”


Federico Fellini, nasceu a 20 de Janeiro de 1920 em Rimini (Itália) e faleceu a 31 de Outubro de 1993 em Roma (Itália), continua a ser encarado como uma das maiores referências do cinema do século XX.
Foi Premiado com quatro Óscares de Melhor filme em Língua Estrangeira pelos filmes: A Estrada (1954); As Noites de Cabíria (1957); Fellini 8 ½ (1963) e Amarcord (1973).
Em 1993 é-lhe atribuído o Óscar Honorário pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.


FILMOGRAFIA DE FEDERICO FELLINI

Os Palhaços – I Clowns
Fellini 8 ½ - Otto e Mezzo
As Noites de Cabíria - Le Notti di Cabiria
A Doce Vida – La Dolce Vita
Roma de Fellini – Roma
Os Boas-Vidas – I Vitelloni
Amarcord – Amarcord
Entrevista – Intervista
Ginger e Fred – Ginger e Fred
E La Nave Va – E La Nave Va
A Cidade das Mulheres – La Città delle donne
O Ensaio de Orquestra – Prova d´orchestra
Casanova de Fellini – Il Casanova di Federico Fellini
Satyricon – Fellini – Satyricon
Julieta dos Espíritos – Giulietta degli spiriti
Boccaccio 70 - Boccaccio `70
A Estrada da Vida – La Strada
Amor na Cidade – L’ Amore in città
Abismo de um Sonho – Lo Sceicco bianco
Mulheres e Luzes – Luci del varietà


Fellini 8 ½


SINOPSE
Guido Anselmi é um realizador de cinema que tenta descontrair-se após o seu grande último êxito. No entanto, não consegue um momento de sossego, pois a sua mulher, a sua amante, o seu produtor e todos os amigos estão constantemente a pressioná-lo sobre uma coisa ou outra e procurando mais trabalho.
Ele luta com o seu consciente, mas não consegue uma ideia nova. Enquanto pensa, começa a recordar os grandes acontecimentos da sua vida e todas as mulheres que amou e abandonou.
Um filme autobiográfico de Fellini sobre as tentativas e adversidades de realização cinematográfica.


Recentemente revi este estrepitoso filme de Fellini e não posso deixar de sublinhar como perturbou todos os meus sensores artísticos. Fellini é catártico em todos os ângulos, contudo é necessário referir as grandes interpretações de Marcello Mastroianni e Claudia Cardinale.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Libertango - Ástor Piazzolla






Ástor Pantaleón Piazzolla, nasceu a 11 de Março de 1921 em Mar del Plata (Argentina) e faleceu a 4 de julho de 1992 em Buenos Aires (Argentina). Filho de imigrantes italianos, Vicente Piazzolla e Asunta Manetti, foi um bandeonista e compositor de Tango.
Em 1933 teve aulas de piano com Bela Wilde, um pianista húngaro discípulo de Serguéi Rachmaninov. Algumas de suas composições mais célebres são Libertango e Adiós Nonino.

rostos descalços | luís de aguiar





as mãos arranham o interior da carne,
pelos tendões, abrem as feridas, rompem
as palavras em sede. a sede. as mãos levam
nas falanges
o riacho das vogais, e esperam por ti,
para te acariciar os vários rostos, descalços,
enxutos, rostos que nasceram da rua para a rua.
e as mãos escondem o suor, escavam
com mais violência, a côncava do seio negro.
as mãos esgotam-se nos calos, as mãos
separam as espumas brancas das conchas raras,
e repousam o sopro com o peso do olhar.
as mãos, as mãos, as mãos.
só as mãos tecem o sangue nos desígnios
dos volumosos corpos.



as pessoas arrastam-se pelas ruas,
definham os seus rostos contra as montras.
petrificam-se sem a volúvel pele que as cobre,
procuram, incessantemente, nos vidros do céu,
um espelho, um deus. procuram a imagem
das suas vozes. são humanos, inalteráveis,
e arrastam-se em sorrisos longos, em sorrisos
moribundos, nos seus corpos gastos.
e nenhuma sílaba é arrancada das suas bocas,
nenhum eco, nenhuma vida.
as pessoas fingem serem pessoas e misturam-se
ao movimento dos carros, misturam-se à sede
dos cães vadios, misturam-se ao rastro de sangue
que as velhas casas deixam nas pálpebras de pele.
os corpos erguem os braços, quase que rasgam
os pulsos ou os ombros, recostam-se à luz dos dias
e voltam a arrastarem-se pelas ruas, cientes que
a solidão, um dia, há-de entrar numa gota de lume.



subias as escadas de lisboa, subias os degraus
com as pernas secas, moídas.
subias o teu corpo com uma chama silenciosa,
para roeres o interior da tua face, e tocares
a carne da tua alma. inspiravas o cheiro
das casas de alfama, o mijo na rua a misturar-se
com os teus sapatos rotos, com a pele calejada
pelo choro do teu filho, da tua mulher, da tua mãe.
subias os degraus até à tua fé, subias lentamente,
mesmo antes de te rasgarem a camisa
e roubarem-te as poucas moedas
que tinhas no bolso e que eram para a tua morte.


Prémio de Poesia Montijo Jovem 2005


Não existe nada tão mau, selvagem e cruel, na natureza, quanto os homens normais.



Hermann Hesse, nasceu a 2 de Julho de 1877 em Calw, (Alemanha) e faleceu a 9 de Agosto de 1962 em Montagnola (Suiça). Foi escritor, contista, ensaísta e poeta. Ganhou o Prémio Nobel da Literatura e o Prémio Goethe em 1946.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sara F. Costa


Sara F. Costa é o nome artístico de Sara Raquel Ferreira da Costa (Oliveira de Azeméis, Portugal 1987 - ) é uma escritora e poetisa portuguesa que tem vindo a ser galardoada em vários certames literários. Em 2007 obteve o Prémio Literário João da Silva Correia, realizado pela Câmara Municipal de São João da Madeira, o qual resultou na publicação deste soberbo livro, Uma Devastação Inteligente, pela Atelier.


passos de zinco atravessam-se nas estradas.
dizes trazer o terror preso na garganta
e o amor de lado,
de um qualquer lado.
densas insónias circulam
nos músculos das imagens,
colam-se às feições pouco nítidas
dos meus reflexos.
e a solidão incinerada nas beiras dos passeios
emana um odor turvo.
tu prossegues por dentro dos versos poluídos.
o silêncio surge-te a vermelho
enquanto o mundo vira a sua carne raspada
para os holofotes.



nós permanecemos com as mãos pousadas
sobre a terra
e a terra habita-nos dentro das mãos.
contemplamos o voo a dissolver-se
nas rugas do mar,
desfiamos a violência dos erros
e paramos de falar quando alguém passa
porque temos a boca suja
com segredos menstruados.



o som dos espelhos
alaga as ruas
que se arrastam pelo corpo
entre o suor ácido das formas.
chove
e vejo a língua do relógio
misturar-se com a lama.
a cidade arde
e a minha ressaca
é uma lareira
a pingar pelos dedos.



sais de casa com os olhos líquidos,
as mãos polidas apenas por engano
e uma voz nua
embrulhada no papel onde esgacei
dois versos.
um olhar prepara-se
para apedrejar a paisagem
e tu esperas, inerte,
que os destino te perfure violentamente
a carne.



as verdades esmagadas
contra a fome.
o silêncio assustado
pelo poema.

um anjo
à saída do metro.

porque o tempo desmaia
de cada vez que as histórias rebentam.

Sara F. Costa
in Uma Devastação Inteligente
Quando eu estiver contigo no fim do dia, poderás ver as minhas cicatrizes, e então saberás que eu me feri e também me curei.



Rabindranath Tagore, nasceu a 6 de Maio de 1861 em Calcutá, (Índia) e faleceu a 7 de Agosto de 1941 na mesma cidade, foi um poeta de renome mundial. Ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1913.


Balthazar Klossowski de Rola, conhecido como Balthus, nasceu em Paris em 1908 e faleceu com 93 anos na Suíça. Conviveu com Picasso, Matisse e Miró e deixou 300 quadros concluídos.
Balthus procurou de forma intensa a sensualidade explícita e o erotismo das adolescentes, embora os ambientes onde se inserem sejam lúgubres, de solidão e tristeza.
Sobre isso Balthus referiu:
A melhor maneira de não cair numa segunda infância é nunca ter saído da primeira.
A beleza da adolescência é mais interessante, encarna o futuro, o ser antes de se tornar em beleza perfeita. Uma mulher já encontrou o seu lugar no mundo, uma adolescente não. O corpo de uma mulher está já completo. O mistério desapareceu.





quarta-feira, 13 de julho de 2011

Enroscada pedra (a do tempo) que o sol declina


Voltou, hesitante, com as mãos sobre os olhos,
um fruto sem luz que em intemporais páginas
guardava a voragem desvanecida das horas.
Era um pássaro no umbigo ou um deus
que atravessava cego, os tempos mais verdes
mais brancos que o canto
que as minhas palavras não poderiam pronunciar.
Poderia imobilizar o teu ouro
no ventre que me susteve, sacudia
portanto a luz para o vazio dos ciprestes
e vigiaria um silêncio próprio,
entregue às mãos de um tempo maduro.
É em Agosto que se agasta a sede,
essa de ter fome de lábios que gelam o encanto,
pudesse eu, então, entoar a minha pátria
numa desconhecida terra
e desenterrar o sangue da solitária vida.
Mas estes braços, tão indefesos,
brilham com altíssimos girassóis,
percorrem as fissuras do vento
que por vezes pernoita no interior dos olhos
e isto para dizer que o coração mexe
por vezes sem sentido e que a morte é próxima,
que sorri por entre o sorriso da vida
e que o tempo e suas pedras flamejam
nas sílabas de sempre
e crescem
no longínquo exílio, meia hora antes das dez
com uma só narina
a apalpar um perfume ou um cigarro,
cigarra na garganta
e uma carícia a voar até ao escuro.

Entrarei com uma faca
a fingir que sou eu.
Chamar-me-ão com todas as feridas
para que o amor se preserve na carne
e defronte do pão de cada homem
uma pedra em forma de pão,
fermentada
com a memória a entregar
a sua rubra beleza aos cisnes e aos flamingos.
E tu, irmã ou esposa ou mãe,
palavra a arder nos dentes,
a reclinar a sombra, mármore que nasce
no espaço dos dias e que se move
em tão rara beleza
que jamais saberei decifrar.
Anota esta frescura que sobrevive,
é sangue esvaído de curtíssimos séculos,
exangue,
tão exangue quanto os pombos
de inverno
e através deste tempo contíguo,
apenas uma dor,
a que afrouxa a alma ao ladrar no sono
para que os visitantes saibam
que o sonho está guardado.
Estará a luz caída no chão
a evaporar os seus nomes para que não
a conheçam.
Esperar-te-ei num país sem relógios,
(como no filme silvestre de Ingmar Bergman)
para que chegues atrasada,
em derradeiro silêncio, ao fundo da voz.
Agora dá-me a tua mão,
agora mesmo, verás, o sol escurecerá.


luís de aguiar



Ingmar Bergman, irrepreensivelmente, um dos melhores cineastas que a história do cinema conheceu. Legou-nos obras incontornáveis...

Sugiro que vejam:

. O Sétimo Selo - 1956 (Det sjunde inseglet)
. Morangos Silvestres - 1957 (Smultronstället)
. O Olho do Diabo - 1960 (Djävulens öga)
. O Silêncio - 1963 (Tystnaden)
. A Máscara - 1966 (Persona)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

1.
ter na carne a cidade; os dias brancos cheios de luz,
uma casa edificada, lívida:
agora só um idioma de sangue na boca,
as demoradas palavras.


tocar a pedra, os caminhos que os corpos procuram,

ser sombra e respirar o teu húmido rosto.




2.
agora os candeeiros iluminam as pessoas,
os carros escavam os gemidos
que o tempo traz.
vejo sempre uma criança nas calçadas de granito,
aguarda a sua vez para atravessar um rosto desconhecido,
quase limpo como uma voz.

era invisível o toque abrasado da distância,
um lume dentro dos meus ossos, destinado à carne.




3.
das janelas,
brancas pombas misturam-se aos ramos cegos –
frutos miseráveis que ocupam a memória.


luís de aguiar


Três poemas do livro "Urbanos"
Prémio Literário São Domingos de Gusmão 2007

domingo, 10 de julho de 2011

Ainda hoje me questiono sobre esta promiscuidade entre luz e sombra destas imagens vanguardistas de Rodchenko.






Aleksandr Mikhailovich Rodchenko foi um fotógrafo da vanguarda soviética dos anos 30, foi de igual forma um artista plástico, escultor e designer gráfico. Nasceu em São Petersburgo, em 1891 e faleceu em 1956 em Moscovo (Rússia).
A sua obra foi um grande contributo para a difusão do Construtivismo Soviético que emergiu após a Revolução Bolchevique.
É de facto soberba esta escultura de Rui Chafes.



Rui Chafes é um escultor português, nasceu em 1966 em Lisboa (Portugal).