quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sara F. Costa


Sara F. Costa é o nome artístico de Sara Raquel Ferreira da Costa (Oliveira de Azeméis, Portugal 1987 - ) é uma escritora e poetisa portuguesa que tem vindo a ser galardoada em vários certames literários. Em 2007 obteve o Prémio Literário João da Silva Correia, realizado pela Câmara Municipal de São João da Madeira, o qual resultou na publicação deste soberbo livro, Uma Devastação Inteligente, pela Atelier.


passos de zinco atravessam-se nas estradas.
dizes trazer o terror preso na garganta
e o amor de lado,
de um qualquer lado.
densas insónias circulam
nos músculos das imagens,
colam-se às feições pouco nítidas
dos meus reflexos.
e a solidão incinerada nas beiras dos passeios
emana um odor turvo.
tu prossegues por dentro dos versos poluídos.
o silêncio surge-te a vermelho
enquanto o mundo vira a sua carne raspada
para os holofotes.



nós permanecemos com as mãos pousadas
sobre a terra
e a terra habita-nos dentro das mãos.
contemplamos o voo a dissolver-se
nas rugas do mar,
desfiamos a violência dos erros
e paramos de falar quando alguém passa
porque temos a boca suja
com segredos menstruados.



o som dos espelhos
alaga as ruas
que se arrastam pelo corpo
entre o suor ácido das formas.
chove
e vejo a língua do relógio
misturar-se com a lama.
a cidade arde
e a minha ressaca
é uma lareira
a pingar pelos dedos.



sais de casa com os olhos líquidos,
as mãos polidas apenas por engano
e uma voz nua
embrulhada no papel onde esgacei
dois versos.
um olhar prepara-se
para apedrejar a paisagem
e tu esperas, inerte,
que os destino te perfure violentamente
a carne.



as verdades esmagadas
contra a fome.
o silêncio assustado
pelo poema.

um anjo
à saída do metro.

porque o tempo desmaia
de cada vez que as histórias rebentam.

Sara F. Costa
in Uma Devastação Inteligente
Quando eu estiver contigo no fim do dia, poderás ver as minhas cicatrizes, e então saberás que eu me feri e também me curei.



Rabindranath Tagore, nasceu a 6 de Maio de 1861 em Calcutá, (Índia) e faleceu a 7 de Agosto de 1941 na mesma cidade, foi um poeta de renome mundial. Ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1913.


Balthazar Klossowski de Rola, conhecido como Balthus, nasceu em Paris em 1908 e faleceu com 93 anos na Suíça. Conviveu com Picasso, Matisse e Miró e deixou 300 quadros concluídos.
Balthus procurou de forma intensa a sensualidade explícita e o erotismo das adolescentes, embora os ambientes onde se inserem sejam lúgubres, de solidão e tristeza.
Sobre isso Balthus referiu:
A melhor maneira de não cair numa segunda infância é nunca ter saído da primeira.
A beleza da adolescência é mais interessante, encarna o futuro, o ser antes de se tornar em beleza perfeita. Uma mulher já encontrou o seu lugar no mundo, uma adolescente não. O corpo de uma mulher está já completo. O mistério desapareceu.





quarta-feira, 13 de julho de 2011

Enroscada pedra (a do tempo) que o sol declina


Voltou, hesitante, com as mãos sobre os olhos,
um fruto sem luz que em intemporais páginas
guardava a voragem desvanecida das horas.
Era um pássaro no umbigo ou um deus
que atravessava cego, os tempos mais verdes
mais brancos que o canto
que as minhas palavras não poderiam pronunciar.
Poderia imobilizar o teu ouro
no ventre que me susteve, sacudia
portanto a luz para o vazio dos ciprestes
e vigiaria um silêncio próprio,
entregue às mãos de um tempo maduro.
É em Agosto que se agasta a sede,
essa de ter fome de lábios que gelam o encanto,
pudesse eu, então, entoar a minha pátria
numa desconhecida terra
e desenterrar o sangue da solitária vida.
Mas estes braços, tão indefesos,
brilham com altíssimos girassóis,
percorrem as fissuras do vento
que por vezes pernoita no interior dos olhos
e isto para dizer que o coração mexe
por vezes sem sentido e que a morte é próxima,
que sorri por entre o sorriso da vida
e que o tempo e suas pedras flamejam
nas sílabas de sempre
e crescem
no longínquo exílio, meia hora antes das dez
com uma só narina
a apalpar um perfume ou um cigarro,
cigarra na garganta
e uma carícia a voar até ao escuro.

Entrarei com uma faca
a fingir que sou eu.
Chamar-me-ão com todas as feridas
para que o amor se preserve na carne
e defronte do pão de cada homem
uma pedra em forma de pão,
fermentada
com a memória a entregar
a sua rubra beleza aos cisnes e aos flamingos.
E tu, irmã ou esposa ou mãe,
palavra a arder nos dentes,
a reclinar a sombra, mármore que nasce
no espaço dos dias e que se move
em tão rara beleza
que jamais saberei decifrar.
Anota esta frescura que sobrevive,
é sangue esvaído de curtíssimos séculos,
exangue,
tão exangue quanto os pombos
de inverno
e através deste tempo contíguo,
apenas uma dor,
a que afrouxa a alma ao ladrar no sono
para que os visitantes saibam
que o sonho está guardado.
Estará a luz caída no chão
a evaporar os seus nomes para que não
a conheçam.
Esperar-te-ei num país sem relógios,
(como no filme silvestre de Ingmar Bergman)
para que chegues atrasada,
em derradeiro silêncio, ao fundo da voz.
Agora dá-me a tua mão,
agora mesmo, verás, o sol escurecerá.


luís de aguiar



Ingmar Bergman, irrepreensivelmente, um dos melhores cineastas que a história do cinema conheceu. Legou-nos obras incontornáveis...

Sugiro que vejam:

. O Sétimo Selo - 1956 (Det sjunde inseglet)
. Morangos Silvestres - 1957 (Smultronstället)
. O Olho do Diabo - 1960 (Djävulens öga)
. O Silêncio - 1963 (Tystnaden)
. A Máscara - 1966 (Persona)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

1.
ter na carne a cidade; os dias brancos cheios de luz,
uma casa edificada, lívida:
agora só um idioma de sangue na boca,
as demoradas palavras.


tocar a pedra, os caminhos que os corpos procuram,

ser sombra e respirar o teu húmido rosto.




2.
agora os candeeiros iluminam as pessoas,
os carros escavam os gemidos
que o tempo traz.
vejo sempre uma criança nas calçadas de granito,
aguarda a sua vez para atravessar um rosto desconhecido,
quase limpo como uma voz.

era invisível o toque abrasado da distância,
um lume dentro dos meus ossos, destinado à carne.




3.
das janelas,
brancas pombas misturam-se aos ramos cegos –
frutos miseráveis que ocupam a memória.


luís de aguiar


Três poemas do livro "Urbanos"
Prémio Literário São Domingos de Gusmão 2007

domingo, 10 de julho de 2011

Ainda hoje me questiono sobre esta promiscuidade entre luz e sombra destas imagens vanguardistas de Rodchenko.






Aleksandr Mikhailovich Rodchenko foi um fotógrafo da vanguarda soviética dos anos 30, foi de igual forma um artista plástico, escultor e designer gráfico. Nasceu em São Petersburgo, em 1891 e faleceu em 1956 em Moscovo (Rússia).
A sua obra foi um grande contributo para a difusão do Construtivismo Soviético que emergiu após a Revolução Bolchevique.
É de facto soberba esta escultura de Rui Chafes.



Rui Chafes é um escultor português, nasceu em 1966 em Lisboa (Portugal).